Se você trabalha com livros, certamente, já ouviu falar sobre a Lei Cortez. O projeto de lei tramita no Senado Federal e quer regulamentar o comércio varejista de livros. O objetivo por trás disso é proteger as livrarias de concorrência predatória.
A lei brasileira foi proposta pela então senadora Fátima Bezerra (agora governadora reeleita no Rio Grande do Norte) em 2015. A inspiração veio da Lei Lang, em vigor na França há mais de 40 anos.
Pela proposta, o preço de capa – determinado pela editora – deveria ser respeitado no primeiro ano de vida do livro. Nos 12 primeiros meses, a contar do lançamento, as varejistas deveriam praticar o preço de capa, oferecendo, no máximo, desconto de 10%.
Na França, a Lei Lang determina que esse prazo é de 18 meses e o desconto máximo é de 5%.
Livros didáticos, colecionáveis e importados ficam de fora desta regra.
O que se pretende com a Lei Cortez?
Os apoiadores do projeto de lei defendem que o instrumento poderá proteger as livrarias, em especial as independentes.
É que elas passariam a concorrer em pé de igualdade com players maiores, em especial, com o e-commerce, onde a guerra por preços é mais acentuada.

Editor José Xavier Cortez deu nome à Lei que quer regulamentar o comércio livreiro no país
Por que Lei Cortez?
A regulamentação do comércio varejista é uma demanda muito antiga do setor livreiro. O tema foi retomado com a chegada da Amazon no Brasil, em 2012. A partir daí, ganhou a aderência também do setor editorial.
Nesta época, o nome usado por muitos era “Lei do Preço Fixo”, o que causava muita confusão. Tentaram dar à lei o nome de “preço comum”, da “bibliodiversidade”, do “preço justo”, etc… Mas o nome que ficou foi Lei Cortez, em homenagem ao editor histórico José Xavier Cortez, morto em 2021, aos 84 anos.
Sr. Cortez, como era chamado pelos amigos e pares, foi o fundador da Editora Cortez. Potiguar da cidade de Currais Novos, fez história em São Paulo, onde chegou depois de expulso da Marinha na época da ditadura militar.
Na capital paulista, foi lavador de carros e se matriculou no curso de Economia na PUC. Entrou no livro pela porta da livraria. Viu na universidade uma chance de vender livros para seus colegas. Em 1980, funda a sua própria editora, que se tornou uma referência nas Ciências Sociais. Quando morreu, em 2021, tinha construído um catálogo de mais de 1.300 títulos.
Vai alterar o preço do livro?
Mas como ficariam os consumidores já tão acostumados com esses descontos? Quem defende a lei fala que a previsibilidade permitiria às editoras manter o preço de capa mais baixo em relação ao praticado hoje. Ou seja, ao saber que o preço de capa será efetivamente respeitado, os editores poderiam baixar um pouco o preço de seus livros.
O professor Markus Gerlach (KOS Research, França) fez um estudo analisou a evolução do preço na França, Alemanha e Reino Unido entre 1996 e 2018. Nos dois primeiros países, há leis de regulamentação do comércio de livros. O terceiro teve uma lei semelhante, mas decidiu abandoná-la em 1995.
A conclusão é que No Reino Unido, o preço médio do livro subiu 80% no período. Já na Alemanha, o aumento de preço foi de 29% e na França, 24%. Ou seja, ao saber que os preços serão respeitados no ponto de venda, os editores conseguem manter seus preços mais baixos.
A lei funciona mesmo?
O mesmo estudo do professor francês analisou a sobrevivência de livrarias independentes nos três países.
“No Reino Unido existe uma concentração mais forte em torno de cadeias de livrarias, o que gerou uma diminuição significativa no número de livrarias independentes. Provocou também uma modificação importante na tectônica da edição”, disse durante um seminário realizado pela Liga Brasileira de Editores em agosto de 2021.
Numericamente, entre 1995 e 2002, houve uma diminuição de 12% no número de livreiros independentes no Reino Unido. Na Alemanha, esse índice foi de 3%. E esse fenômeno se acentuou nos últimos anos, com o crescimento do comércio digital. Ainda de acordo com dados apresentados pelo professor, hoje, entre 45% e 50% das vendas de livros são feitas pela internet na Inglaterra. Na Alemanha, o índice é de 20%. Atualizando os dados do número de livreiros no país, ele conclui que, na Alemanha, 30% dos estabelecimentos que vendem livros no país são livreiros independentes. No Reino Unido, só 5%.
Em que pé está a Lei Cortez?
De 2015, quando foi apresentado por Fátima Bezerra, para cá, a Lei Cortez andou pouco no Senado. O projeto teve o aval na Comissão de Constituição e Justiça e depois foi encaminhado à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
Lá, recebeu relatório favorável, de autoria do senador Jean Paul Prates (PT/RN). No entanto, não foi à votação ainda. A expectativa do setor é que isso ocorra ainda neste ano.
O senador Prates não se candidatou à reeleição e estava no 1/3 do Senado renovado nas últimas eleições.
Se passar pela CAE, o projeto deve passar ainda pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) e depois deverá seguir para a Câmara dos Deputados.
Achei a Lei Cortez interessante. Há algo que eu possa fazer?
Sim. Há, no site do Senado uma enquete. A votação popular está desfavorável à Lei Cortez, com diferença de mais de 1.300 votos contrários a ela.
A enquete não é decisiva no processo legislativo, claro, mas é importante para demonstrar aos parlamentares que há apoio popular.
Como faço para acompanhar o processo da Lei Cortez?
Se você quiser se manter informado sobre a Lei Cortez, pode assinar o acompanhamento da matéria diretamente no site do Senado. Basta clicar em Acompanhar esta Matéria, botão que aparece no lado direito da tela, logo abaixo do resultado da enquete. Se fizer isso, passa a receber notificações no seu e-mail a cada passo que a Lei der no Congresso.
No link acima, você pode também acompanhar toda a tramitação da lei, ler a proposta inicial, as emendas que a Lei Cortez recebeu nas comissões por onde já passou e ainda ler os relatórios apresentados em cada uma delas.