O ator e agitador cultural PC Marciano mora em Heliópolis, a maior favela da cidade de São Paulo. Em 2009, ele escreveu seu primeiro livro – Melissa. Correu atrás de editoras que poderiam estar interessadas no título. Nenhuma se interessou pelo livro que conta a vida de Melissa, mulher que deixa a cidade do interior para morar na capital fluminense, onde passa por todo tipo de provações.
Em 2017, PC Marciano resolveu se autopublicar. Mas, em vez de fazer isso simplesmente, resolveu fundar uma editora para que seus vizinhos de comunidade também pudessem publicar seus livros.
Nascia aí a Editora Gráfica Heliópolis. Já no primeiro ano de vida, conseguiu apoio via edital do Programa Rumos, do Itaú Cultural. Era o que precisava para comprar equipamentos e publicar os primeiros livros.
PC é o convidado dessa semana para o Bate-Papo do Happy Hour Nespe. Na conversa, ele fala sobre como curadoria, distribuição e a importância de aportes financeiros via programas de apoio.
Happy Hour Nespe – Como surgiu a ideia da Editora Gráfica Heliópolis?
PC Marciano – A ideia surgiu ao longo de um processo de pesquisa e mapeamento. Em 2009, eu escrevi o meu primeiro romance (Melissa) e comecei a procurar editoras para publicá-lo. Fiz como era tradicional na época: imprimi várias copias dos livros, fiz uma lista das editoras que trabalhavam com o gênero e comecei a enviar pelos correios.
Durante dois anos desse processo, eu só recebi uma única resposta (telegrama) informando que a obra não foi selecionada. Todo este tramite me provocou muito desanimo e falta de fé com a minha obra.
Achava que o conteúdo não era interessante ou que estava mal escrito. Até que entrei na faculdade para cursar Letras e os meus professores tiveram acesso ao meu escrito e uma professora foi bem rigorosa comigo quando eu falei que o meu livro era ruim. Ela me perguntou se eu conhecia o mercado editorial e se eu tinha noção que a minha vida (classe social, origem e entre outros) influenciaria diretamente nisso.
A partir de então, comecei a estudar o assunto e isso me provocou a curiosidade de saber se onde eu moro tinha mais escritores. A surpresa veio aí: estavam todos escondidos, mas havia muitas pessoas talentosas e frustradas. Havia três escritores publicados, todos eles com publicação independente (pagaram para isso) e todos arrependidos.
Em um determinado momento da pesquisa, percebi que a conta nunca ia fechar, pois havia muitos escritores em diversos gêneros literários e nenhuma editora interessada em buscar esses talentos. A única solução para atender esse público era uma empresa se instalar em Heliópolis e direcionar os trabalhos para nós. Isso eu já sabia que nunca ia acontecer. Uma vez que eu me incomodei com essa questão, eu que tinha que encontrar a solução. Assim nasce a Editora Gráfica Heliópolis em 1º de dezembro de 2018.
HH – Qual o foco da curadoria da editora?
PC – O foco da editora é publicar escritores de favelas e periferias de diferentes idades, raça, gênero e entre outros. Sempre buscando a diversidade entre as pessoas e os estilos literários.
HH – O projeto teve o aporte financeiro do Rumos Itaú e do ProAC. Qual a importância desses editais para o funcionamento da editora?
PC – Quando tive a ideia de criar uma editora e compartilhei a ideia, na mesma hora veio a lembrança que éramos pobres… E a pergunta central era: como conseguir o dinheiro?
Como eu já conhecia as leis de fomento surgiu essa opção. A nossa primeira tentativa foi o edital Rumos do Itaú Cultural e para a nossa surpresa fomos aprovados. A verba possibilitou o nascimento de uma editora e um pequeno birô gráfico, também realizamos diversos eventos literários e 56 publicações, sendo 20 de escolas públicas da região e 36 de escritores solos e antologia.
Ao todo foram 709 escritores envolvidos, sendo 539 de alunos da rede pública. Entregamos o projeto no final de 2019, na sequência tivemos a pandemia e com isso o projeto ficou parado. Em 2021, fomos contemplados no ProAC que nos está possibilitando 20 publicações até outubro deste ano.
Hoje ser contemplado em editais é de fundamental importância para editora, pois sem incentivo financeiro a editora não sobrevive. Temos por filosofia tentar atender a todos e isso demanda um capital de giro alto, coisa que não temos.
Estamos presenciando a transformação na vida das pessoas que publicam e também de um comportamento social dentro da favela por conta desse movimento literário que nasceu.
Graças a esses dois editais tudo isso foi possível realizar, sem eles iriamos ficar somente no campo do desejo e hoje nós estamos vendo sonhos serem realizados, pessoas se remunerando com o que gosta de fazer.
HH – Do ponto de vista do negócio, qual o modelo adotado pela editora?
PC – Hoje, o modelo de negócio favorece muito o escritor. Nós investimos para que eles virem empreendedores do próprio livro. O (a) escritor (a) não tem custo com a produção do livro e no lançamento recebe 10 exemplares sem custo como adiantamento dos direitos autorais para uma tiragem de 100 livros. A partir daí o artista pode adquirir o seu livro com 50% de desconto do preço de capa.
HH – Como tem sido feita a distribuição dos livros publicados pela Heliópolis?
PC – A distribuição é um gargalo para nós. Praticamente não temos distribuição. O nosso site acabou de ficar pronto e estamos apostando nisso como uma ferramenta potente de trabalho, mas temos a plena consciência que precisamos avançar mais nisso e fazer parcerias.
HH – Você é também escritor. Autor de “Melissa”, publicado pela Heliópolis. Você pode falar um pouco sobre o livro?
PC – Eu sempre quis escrever uma história longa, até então só escriva textos mais curtos, como letra de música, poesias e contos. O trabalho me consumia muito e eu não conseguia me dedicar ao romance, a única coisa que sabia é que eu queria escrever algo que descontruísse algum rotulo ou ponto de vista destorcido.
Certo dia durante uma viajem de trabalho eu parei em um posto de combustível no meio de uma estrada no Norte de Minas Gerais. Fiquei durante um tempo sentado e fazendo o relatório do trabalho e de repente uma moça encostou do meu lado e começou a puxar assuntos aleatórios e desconexos entre si.
Ela estava vestida como quem vai em uma formatura ou casamento, mas eram 15 horas e um calor danado, ela estava totalmente descontextualizada para a ocasião. Eu fui dando corda… Passou um instante e se aproxima mais uma moça, depois mais uma, e outra e quando me dei conta havia oito moças no mesmo estilo que a primeira.
Todas elas faziam programa naquele ponto e naquele dia elas decidiram não se prostituir e jogar conversa fora com um estranho, no caso, eu. Foi muito bacana conversar com elas sobre tudo e ao mesmo tempo sobre nada, porém quando aquele momento acabou me senti muito mal por ter entendido o que tinha acontecido. Elas só queriam conversar com alguém de outro sexo sem serem julgadas, mandadas, estereotipadas e tratadas como objeto sexual. Nesse momento me caiu a ficha, já sei sobre o que vou escrever e assim nasce Melissa.
Melissa é uma jovem camponesa que vai para a cidade grande em busca de estudo. Apaixona-se pelo primo e vive um amor proibido e renegado pela família. Perde seu marido com a violência urbana e sua filha nasce com Síndrome de Rett. Melissa tenta de tudo para custear os remédios da filha, porém a única jogada que deu certo foi a prostituição. A jovem passa por várias questões pessoais, desde depressão a dependência química. Encontra em seus vizinhos bons aliados e uma rede de proteção.